As forças aerodinâmicas
Certamente o leitor familiarizado com a aviação já terá ouvido a expressão arrasto induzido [do ing. induced drag], às vezes também chamado de “arrasto devido à sustentação” [drag due to lift].
Normalmente, a ideia de arrasto é bastante clara: trata-se da força – ou mais precisamente: da resultante de forças – que se opõem ao movimento. Entendemos facilmente que o atrito do ar na superfície da aeronave em movimento componha uma força que se opõe ao movimento, e também podemos entender, embora já não tão facilmente, que a pressão do ar na parte frontal da aeronave sendo maior que aquela na parte posterior gera, essa também, uma força que se opõe ao movimento. Nos dois casos, fala-se de arrasto de cisalhamento [shear drag], e no segundo de arrasto de pressão [pressure drag], cujo conjunto constitui o arrasto parasita [parasite drag].
No entanto, o arrasto induzido, na grande maioria das explicações não especializadas que se encontra aqui e acolá, permanece quase um mistério, ligado a um vórtice de ponta de asa que, a menos que o leitor já saiba do que se trata, não se compreende nada. Diante de tal lacuna, resolvemos apresentar aqui uma explicação alternativa e bastante intuitiva do que é o arrasto induzido, o que entre outras coisas deixará claro o porque dele ser devido à sustentação.
Comecemos analisando o que acontece ao fluxo de ar enquanto este passa por um aerofólio, ou um “perfil alar”. A figura abaixo ilustra um aerofólio genérico, secção de uma asa, e as linhas de fluxo ao seu redor. Também indicamos a decomposição da força aerodinâmica (Faero) que nasce da interação do aerofólio com o fluxo em movimento em seus componentes principais, a sustentação e o arrasto. Além disso, as setas azuis indicam a direção da velocidade do fluxo de ar em relação ao aerofólio, tanto no bordo de ataque (VLE, do inglês Leading Edge) quanto no de fuga (VTE, do inglês Trailing Edge).
Como se pode observar da figura, e como é bem conhecido, ao passar pelo aerofólio o fluxo de ar sofre uma aceleração para baixo – ou seja, uma variação de direção da velocidade-, cuja magnitude relativa depende da forma do aerofólio, e que é chamada de downwash. Ao mesmo tempo, cria-se uma força aerodinâmica que pode ser decomposta em dois componentes. O primeiro é perpendicular e o segundo paralelo à direção geral do fluxo – que corresponde à direção no bordo de ataque (VLE) -, respectivamente a sustentação e o arrasto. Destacamos também na figura o ângulo de ataque (α) e o ângulo com que o fluxo se curva para baixo ao sair pelo bordo de fuga do aerofólio (γ). No último caso decompomos com as setas cinzas os componentes da velocidade na direção paralela e perpendicular (para baixo) ao movimento do aerofólio.
Detenhamos nossa atenção principalmente nesse componente para baixo da velocidade de saída do fluxo, o downwash. Como já frisamos, trata-se aí essencialmente de uma aceleração do fluxo de ar para baixo. Certamente o leitor conhecerá a teoria segundo a qual a sustentação deriva da dessimetria na distribuição de pressão em torno do aerofólio. Trata-se de um fato estabelecido e incontestável. No entanto, não é a única maneira possível de se entender a sustentação. Uma outra forma perfeitamente legítima de se descrever a sustentação é baseada na terceira lei de Newton, ou “princípio de ação e reação”. Tal princípio, recordemos, diz que uma força é sempre contrabalançada por uma outra força de mesma intensidade mas em sentido contrário. Uma força, como se sabe, é o produto entre uma massa e uma aceleração (F = ma). Logo, o que ocorre aí é que uma massa, precisamente a massa da quantidade de ar que atravessa o aerofólio em um intervalo de tempo, é acelerada – isto é, sofre uma variação de velocidade – para baixo durante o mesmo intervalo de tempo. A reação a essa força que o aerofólio imprime ao fluxo de ar é a força que o fluxo de ar imprime ao aerofólio, porém, desta vez direcionada para cima: a sustentação, e eis que a aeronave voa.
Vejamos agora o papel da viscosidade.