O arrasto induzido
Assim, lembremo-nos com base na figura 1 que nosso fluxo em torno ao aerofólio adquire ao sair pelo bordo de fuga um componente de velocidade dirigido para baixo, o downwash. Ora, basta agora transpor ao caso em questão o que vimos a respeito da viscosidade (porém, evidentemente, na direção vertical). É que a velocidade para baixo que adquire o estrato de fluxo de ar vertical que sai pelo bordo de fuga arrasta consigo os estratos adjacentes, inclusive e principalmente aqueles que estão à frente na direção do bordo de ataque do aerofólio. Por isso, devemos corrigir nossa primeira figura e incluir nela um componente de velocidade para baixo já antes do fluxo chegar ao aerofólio. Para deixá-lo claro, recorremos a mais uma ilustração:
Observemos na figura acima antes de tudo, que fizemos uma pequena modificação de notação. A sustentação, como força perpendicular ao fluxo, agora é indicada com a letra L (lifting) e o arrasto com a letra D (drag). Em seguida, note-se que temos um gradiente de velocidade vertical (para baixo, na direção y), que diminui ao aproximarmo-nos do bordo de ataque mas que não se anula no bordo de ataque. Com isso, a velocidade no bordo de ataque forma um ângulo Ψ com a horizontal. Esse ângulo promove dois efeitos: o primeiro é que a dupla de forças ortogonais sustentação (L) e arrasto (D), sofre uma rotação cuja magnitude é Ψ. Isso se deve ao fato que, por definição, a primeira é perpendicular e a segunda paralela à direção geral do fluxo que, como tal, sofreu uma rotação de Ψ. O segundo efeito é que agora o ângulo de ataque efetivo diminuiu. De fato, o ângulo de ataque que o aerofólio “vê”, e que é o que realmente importa, é α – Ψ. Uma das consequências diretas disso é que, sendo menor o ângulo de ataque efetivo, será menor a força de sustentação (L) gerada.
Observemos agora o que acontece às forças. Nos dois casos, decompomos as duas forças em seus componentes segundo os eixos horizontal (x) e vertical (y). Lembremo-nos também que a força contra qual se opõe a sustentação é o peso, e este não mudou de direção, continua sendo vertical, dirigido para baixo. Além disso, estamos em condição de cruzeiro, o que faz com que a direção do movimento seja perfeitamente horizontal. Analisando a figura se percebe que a força que agora se opõe ao peso não é mais toda a sustentação gerada, mas somente sua componente na direção vertical (Ly). Tal componente é, evidentemente, inferior ao valor total da força (L). Além disso, há um componente do arrasto que é também ele vertical e, pior, na mesma direção do peso, de forma que não só a sustentação produzida é menor devido ao ângulo de ataque inferior, mas também devido à inclinação para trás da sustentação e para baixo do arrasto, de forma que a força que agora se opõe ao peso é L’ = Ly – Dy que é, evidentemente, menor que a sustentação que tínhamos na figura 1.
Por outro lado, do arrasto e da sustentação temos também os componentes na direção x. Certamente a magnitude de Dx é menor que a de D, mas observemos que temos também um componente que deriva da sustentação que, normalmente, é significativamente maior que o arrasto. O arrasto total, agora, é D’ = Dx + Lx. E eis que chegamos ao ponto: o arrasto induzido é o acréscimo ao arrasto total que nasce do componente horizontal da sustentação, de forma que se indicamos com Di o arrasto induzido, então Di = Lx, daí ser ele também chamado de arrasto devido à (ou induzido pela) sustentação.
Pode-se agora fazer a seguinte pergunta: quão importante é tal arrasto? Evidentemente, na grande maioria das condições de voo, um menor arrasto significa menor consumo e maior eficiência em todos os sentidos. Basta pensar que, como descrevemos alguns parágrafos acima, a sustentação também diminui pelas mesmas razões. Por isso, para contrabalançar o peso e manter as condições de cruzeiro, por exemplo, é necessário aumentar ainda mais o angulo de ataque, com que aumenta-se a velocidade do fluxo para baixo no bordo de fuga do aerofólio e assim sucessivamente, o ciclo se repete, aumentando ainda mais a magnitude do arrasto induzido até chegar-se a um ponto de equilíbrio satisfatório.
Em outras palavras, que não nos enganemos pelas flechas pequenininhas de nossas figuras. Em geral, o arrasto induzido reponde por 25% do arrasto total em condições de cruzeiro, e até 60% durante a decolagem. Existem alguns recursos para se minimizar o arrasto induzido. Por exemplo, o uso de winglets permite uma diminuição importante dos vórtices de ponta de asa (e assim no downwash). Também uma otimização do aspect ratio pode contribuir significativamente. Mas estes são outros tópicos.
Eis, em linhas gerais, uma forma clara e intuitiva de se compreender o arrasto induzido. Em síntese, trata-se do componente da sustentação na direção do arrasto que se produz porque na realidade o fluxo incidente não é perfeitamente horizontal, mas sofre uma variação de direção para baixo viscosamente induzida pela componente vertical da velocidade do fluxo ao sair pelo bordo de ataque do aerofólio.
Bibliografia
- Anderson, John D. Fundamentals of Aerodynamics. Mc Graw Hill. New York (USA), 2007 – Fourth edition.
- Quori, Fiorenzo. Aerodinamica. Levrotto & Bella. Torino, Italia, 1998 – 2ª edizione.