Começo pedindo desculpas pela demora aos leitores desta coluna que ansiosamente aguardavam a continuação. É que estou no que é chamado de “período de provas”, e tenho estado um pouco “autista”. Como hoje fiz uma prova de termofluidodinâmica que me deixou feliz, resolvi relaxar o cérebro por algumas horas e dar um pequeno passo no nosso projeto.
Da última vez apresentei algumas “arquiteturas” típicas de aeronaves, e introduzi brevemente algumas de suas potenciais vantagens e desvantagens. Começo agora a fazer o dimensionamento propriamente dito do nosso experimental. Por “dimensionamento” se entende basicamente a determinação dos “pesos” que compõem o “peso máximo” da aeronave. Trata-se de uma etapa inicial, baseada principalmente em estimativas “históricas”, mas que desde que não estejamos trabalhando com um design muito estranho, tende a nos colocar no rumo correto.
Uma estimativa inicial, por menos precisa que seja, é necessária por uma série de razões. A primeira delas é que não é possível ser diferente, visto que como já dissemos, o processo de projetar uma aeronave é um processo iterativo, que segue por aproximações sucessivas. Esta estimativa é apenas a primeira iteração. Mas mais do que isso, tal estimativa inicial nos possibilitará também começar a fazer algumas comparações entre as alternativas e alguns “trade studies”, isto é, variar alguns parâmetros e estimar as consequências de tal variação de forma simples e veloz, de modo a podermos tomar as decisões mais apropriadas logo no princípio.
Pois bem. Por “peso máximo de decolagem”, indicado normalmente com “MTOW” (Maximum Take-Off Weight) se entende o que o nome diz, isto é, o peso máximo de decolagem, que indicaremos abaixo com W0. Não é impossível que este seja diverso do “peso máximo de projeto”, que é aquele necessário ao cumprimento da missão (um caça, por exemplo, frequentemente tem o MTOW maior que o peso máximo de projeto). No entanto, no nosso caso, os dois pesos coincidem. Além disso, existe também o “peso máximo de rampa”, que é o MTOW mais o peso do combustível que será queimado desde o abastecimento até a cabeceira da pista antes da decolagem. No caso de um B777 isso pode representar um peso razoável, no nosso caso, podemos desprezar esta diferença.
Podemos então simplesmente escrever que o peso máximo de decolagem é igual à soma dos pesos do piloto e dos passageiros (Wtrip), da bagagem (Wbag), do combustível (Wcomb) e o peso vazio da aeronave (Wvazio):
O peso do piloto e dos passageiros (Wtrip) e o peso da bagagem (Wbag) nós sabemos. O primeiro é dado pela normativa: o peso do ser humano médio segundo a FAR 23 é de 86 kgf, e são quatro. Já o peso da bagagem nós decidimos nos nossos requerimentos que fosse de 20 kgf por pessoa, logo, são 80 kgf. Assim, podemos estabelecer que
Onde já passamos do “quilograma-força” (mais intuitivo) ao “Newton” (mais apropriado) multiplicando a massa (kg) pela aceleração gravitacional (g = 9,80665 m/s2) – caso o leitor ache necessário, convém dar uma revisada nas primeiras páginas de qualquer livro de física do segundo grau para a diferença entre peso e massa. De qualquer forma, trata-se agora de estimar o peso vazio e o peso do combustível.
Trata-se aí de uma estima bem menos direta, e neste primeiro momento, deveremos nos servir de dados históricos, isto é, de dados de outras aeronaves conhecidas. O peso do combustível está estreitamente relacionado à autonomia necessária, à eficiência aerodinâmica e ao consumo, dos quais só temos o primeiro. Já o peso vazio depende da eficiência estrutural, dos materiais usados e etc, que ainda não sabemos. Convém, no entanto, passar do “peso” à “fração do peso máximo”. Isto é, ao invés de tentarmos estimar o “peso vazio” e o “peso do combustível”, é mais conveniente estimar a “fração do peso do combustível” e a “fração do peso vazio” em relação ao peso total. Assim, podemos escrever que
Onde Wcomb/W0 é a fração do peso de combustível (por exemplo, se Wcomb/W0 = 0,1, isso que dizer que o peso do combustível representa 10% do peso máximo) e Wvazio/Wo é a fração do peso vazio. A vantagem de se usar as frações é que é mais simples estimá-las em dados históricos segundo a tipologia de aeronave. Para finalizar por hoje, então, fazemos uma simples passagem algébrica e rearranjamos a equação acima para resolvê-la em Wo, o que nos dá:
Poupo o leitor dos detalhes algébricos da última passagem, que para o caso em questão é bastante simples. No próximo post começaremos a tratar da estima das frações que nos permitirão chegar a uma primeira ideia do peso máximo de decolagem de nossa aeronave.
Até lá.
Boa noite,
muito boa a explicação técnica quanto ao tema MTOW. Na aviação comercial o assunto é tratado de forma bem ampla, pois temos diversas variáveis que interferem no peso máximo de decolagem. A soma da carga paga de um voo (passageiro+bagagem+carga), chamamos de PAYLOAD e este é determinado conforme o disponível de peso “UNDERLOAD” permite. O MTOW varia conforme especificações estruturais da aeronave e limitações operacionais na origem, rota e destino. Em nossa aviação doméstica encontramos diversas dificuldades operacionais que interferem no bom desempenho de um voo. O tema merece uma discussão bem aprofundada pois envolve áreas operacionais diversas de uma companhia, fatores comerciais e principalmente relacionados a segurança de voo.
Grande abraço e pode contar comigo para uma discussão sobre o assunto!
Flavio B. Cunha
Olá Flávio, e obrigado pela contribuição! Então, de fato, o tratamento do tema que eu dei aqui foi bem “simplificado” pq, basicamente, por se tratar de uma “estima inicial” para um “projeto experimental”, realmente a coisa não vão muito longe. Mas certamente o “payload” é muito mais importante na aviação comercial, visto que neste caso tudo depende do “pay”… hehe… Você introduziu uma coisa interessante em relação ao MTOW, que eu não tinha nem pensado… É verdade que em termos de “projeto”, o MTOW é simplesmente o peso máximo que garante a performance, controlabilidade, segurança e etc do voo e da aeronave. Mas quando se pensa na prática de cada dia, por exemplo introduzindo o BFL (Balanced Field Length, ou seja, quanta pista tem disponível para a decolagem, superação de obstáculo, etc., ou seja, introduzindo a existência aeroportos “reais”), então o MTOW começa a variar, e certamente, para baixo (pois o MTOW do ponto de vista de projeto é um “limite máximo” para condições ideais), o que certamente compromete a relação autonomia-payload, entre outras coisas… Isso sem falar no equilíbrio da aeronave, isto é, na distribuição do “payload” (especialmente a carga) de forma a manter o CG dentro dos limites apropriados… Ou seja, é verdade, o MTOW “prático” deve ser avaliado a cada decolagem, considerando inclusive, pressão e densidade locais, enfim… De qq forma, mais uma vez, obrigado pela contribuição.
PS: eu estava em “período de provas”, por isso o site ficou meio “parado” nas últimas semanas, mas agora tô voltando à ativa… Vamos continuar a discussão!
Boa noite Rodrigo, gostei muito do seu texto, meus parabéns. Você tem conhecimento de algum material bibliográfico para me indicar que estabeleça relação entre carga paga maxima versus configurações moto-propulsoras e asas?
Olá Marcus. Primeiro, desculpa a demora em responder. Não tenho tido muito tempo para lidar com o site. Quanto ao material bibliográfico, bem, o texto mais popular (muito gente chama de “a bíblia”) é o livro do Daniel Raymer: Aircraft Design, a Conceptual Approach. Logo nos primeiros capítulos vc já vai encontrar material a respeito da sua pergunta.
saudações Rodrigo.
Estou a projetar um layout de voo para aviões de passageiro,carga e particulares,não conheço nenhum aparelho no mundo com o meu conceito em uso,pretendo patenteá-lo como modelo de utilidade,afinal não estou a inventar nada de novo,observei as características dos aviões atuais e a batalha infindável pelo menor consumo vs maior distância percorrida com a maior carga possível,e como tecnico de logística,amador de aviação,vendo o sofrimento das companhias,resolvi ir além do pensamento de todos e solucionar uma forma de baixar drasticamente o consumo em relação a carga,já tenho os desenhos físicos das aeronaves,a ideia de como operar a nova configuração nas suas novas opções,mas falta-me calcular os pesos de decolagem neste novo formato,tenho ideia básica disso,mas para patenteá-la preciso de alguém da área,pode me ajudar?
Não tenho certeza se entendi perfeitamente o seu problema. Acho que seria necessário dar uma olhada nesses desenhos ou então entender um pouco melhor. Dependendo da fase em que vc está do desenvolvimento, vc pode usar algum aplicativo de CAD, atribuindo as densidades apropriadas a cada material usado, e estimar o peso final vazio. Depois somar os outros pesos, de combustível, carga pagante, etc.